quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mudanças climáticas


I

Verão

No chão da sala fios de cabelos grudados na trama do tapete, emaranhados na urdidura, resistindo à morte. Entre as páginas do livro abandonado, um guardanapo com um telefone escrito, esquecido, como o dono que nunca existiu um minuto sequer além de dois ou três sorrisos, quatro olhares divertidos e cinco chopes. Lembranças distintas de tentativas de amor. Cada um ocupa o espaço condizente à passagem no roteiro da vida de cada uma de nós. Alguns se ressentem dos finais, outros aderem ao jogo e brincam artimanhas em lúdicos movimentos, que podem se prolongar por alguns meses, dependendo da época do ano (no alto verão de uma mulher livre, pouco resiste mais que umas semanas). No verão a pele arde e os decotes precisam sempre de novos olhares regados a roques e bossa-nova. Nada é melhor para refrescar a pele suada, que, rosa escuro, se irrita fácilmente (grude no corpo só a lycra do biquini!).
Se o indivíduo consegue ultrapassar o teste dos olhares, segue-se à segunda fase: toques permitidos. A consistência maior ou menor do toque importa muito no verão e é definitivamente decisiva para o sucesso da relação. Há que conseguir um toque leve, fresco como beijo pós água-de-coco, um toque animado mas sem agressividade, uma coisa meio audaciosa-tímida num olhar que, sem implorar – jamais! – , sabe pedir. Há que ter passos leves, e, se a aproximação for numa noite dançável, camisas de algodão, e mãos - grandes e másculas, sempre - bem comportadas. O sorriso tem que ser amável e farto. A voz precisa alcançar alguns tons graves na fala e no riso. Quando se consegue reunir tudo isso num homem só, pode-se até considerar uma ‘cantadinha’ discreta da parte feminina, tal como aceitar a prova do copo dele ou pedir que, por favor, tome conta de algum objeto pessoal (dela) enquanto vai 'ali, rapidinho' falar com alguma amiga repentinamente avistada no meio do povo. Daí pra frente tudo dependerá dos próximos passos (dele) e da cumplicidade do vento, que poderão ou não levá-los à proxima estação.
Márcia Leite

2 comentários:

Anônimo disse...

aprendi q sem cumplicidade..não rola.

:o)

minha 1a vez aqui, gostei!

Márcia Leite disse...

fico aguardando sua volta com textos