Toalhas bordadas, lençóis de linho
Reguei rosas, dálias, maçãs
Para enfeitar tuas manhãs.
Desci estrelas cadentes nas nossas noites
Aqueci teu coração com minhas mãos.
Mas tu - que teme o novo
Prefere o fundo poço dos antigos vícios
Erros repetidos.
Adeus, meu querido
Volto ao ouro das palavras
Márcia Leite
Tenta-se o impossível nessa via de mão única. O encontro deseja-se eterno, mas não será. Revela-se a delicadeza, mostra-se a beleza, mas nem todos vestiram olhos de ver. Dispõe-se o vidro de perfume, com rótulo antigo, ao lado do cinzeiro de cristal azul, fake, bonito, como talvez fake seja o que se viu antes, apenas reflexo de um desejo.
Não é culpa dos olhos que não vêem a beleza do ovo de vidro alaranjado, do Senhor da Humildade em madeira, dos livros lidos, e dos não lidos, entre pequenas lascivas sereias de porcelana branca e bowls de carnival glass da década de 30, arrematados em leilões de outros tempos, outro homem, que certamente - sabem os olhos que vêem - foram orgulho de alguma mulher antiga, muitas décadas antes desta que ali está, no presente, tentando, inutilmente, dividir a delicadeza das imagens, parte de quem ela é, abrindo, escancarando, a porta para a entrada de um amor delicado como a madrepérola da grande concha que um dia foi despejada pelo mar entre algas e lixo na areia de alguma praia caribenha (ela gostava de pensar assim).
Na verdade não há culpa, nem erros, há apenas a diversidade. Diversidade de aprendizado, de escolhas, de intenções, de necessidades. Estar aqui e não estar, submeter-se a olhos desinteressados era tarefa auto-imposta. Na verdade desejava o amor e fingia não enxergar o engano. O olhar que desejava não percebia a beleza do sol entrando pela janela e iluminando uma única almofada jogada no canto do sofá, ainda amassada (moldura do quadril feminino que ali repousou) ou a pequena deusa hindu, com um cisne a seus pés, reverenciando o Amor na forma de um falo entre as mãos.
O falo...Ah, o olhar que se tenta seduzir com a beleza das pequenas coisas, das canecas de chá, das comidinhas, dos cálices cor de rosa transbordando cabernets, sauvignons e desejos entre velas e incensos é, e certamente sempre será, um olhar-falo, que só enxerga a fenda entre coxas femininas.
A delicadeza se ressente, se magoa. Mas não é ela mesma que insiste?
Ao mesmo tempo, ainda insistia, desesperadamente, despertar o coração dentro do outro peito. Mas aquele coração pulsa apenas ao piscar do olhar-falo. Não há futuro. Roga por coragem e caminhos novos.
Que assim seja até o próximo olhar que cruzar com o dela no solstício.
Márcia Leite
(imagem: Matisse)
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