sábado, 19 de dezembro de 2009


Rodrigo
(a Rodrigo de Souza Leão)
por trás da janela
havia um rodrigo
existe um rodrigo
por trás da janela
por trás de janelas
há leões feridos
semeando girassóis.
Márcia Leite




sábado, 21 de novembro de 2009

Piedosa Divina

entre a parreira
e o manacá
de mãe lavadeira
e pai lavrador
nasceu Divina
cresceu magra
comprida
desengonçada
as saias herdadas
das filhas das outras
mostravam joelhos pontudos
- e pernas arqueadas
da janela da casa
ela via
as outras meninas
vestidas de chita
coxas roliças
tranças douradas
perfume de rosa
Divina que cheirava
à roupa lavada
se olhava no espelho
e só via joelhos
surgindo o vermelho
descobriu-se pomba dourada
por dentro das calças
soltou os cabelos
suspirou
aos treze doou a inocência
e o recém-arredondado das coxas
ao padeiro da esquina
depois veio o carteiro
o açougueiro
o bairro inteiro
dava a torto e a direito
mas por algum mistério da vida
nunca engravidou
poucos anos mais tarde
ainda na flor da idade
do dia pra noite
deixou os moços na esquina
e tornou-se beata
(por outro mistério que jamais revelou)
contrita Divina
agora é Piedosa Divina do Claustro Descalça
só doa graças em louvor
de Nosso Senhor
sua fama correu mundo
e todas as putas do vilarejo
oram à Piedosa Divina da Pomba Dourada
do Claustro Descalça
a nova Madalena da beira do Tejo.


Márcia L, in Versos Descarados, 2007
Imagem: Maria Madalena, pintura de Ticiano

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Atos de Sobrevivência


estou além de mim
e estar além de si
significa enxergar melhor as coisas da vida


estando além de si
você percebe que o barro
escorre - sempre - para os lados [da matriz]
(mas você escolheu o barro...)

percebe também que, na verdade
certos sentimentos e pessoas não existem
são apenas você em você
por você.

Márcia Leite
imagem: Degas, Absinto

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Fantasmas na chuva



o passado é bom conselheiro em dias mornos

não nos chuvosos e frios de presença

as ausências são sempre mais sentidas

perto da primavera

quando as flores ainda não desabrocharam

sendo apenas embriões de esperança

simples possibilidades de beleza


nem sempre é possível aguardar o florir

anseia-se por cores e cheiros que ainda não são

quando a chuva se mistura aos fantasmas

até a existência da flor torna-se incerta

e a gente se decide auto-suficiente

para não sofrer.


Márcia Leite
óleo sobre tela por Pedro Ignácio



quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Lucy, a rosa da vizinhança


Escrevia quatro cartas por mês. Desenhava seus próprios vestidos e costurava-os na máquina da mãe morta. Saia às ruas balançando os cabelos louros presos em um ‘rabo de cavalo’, como os usava desde criança. As cartas eram guardadas numa gaveta da cômoda, logo abaixo da das calcinhas (que era perfumada com galhos secos de alfazema). Sexta-feira era dia de ir ao Museu. Olhava e olhava o acervo, cada detalhe de cada quadro já decorara, mas sempre conseguia descobrir algum outro e anotava a nova percepção numa caderneta de capa dura (já a quarta ou a quinta delas). Sempre sozinha, caminhava pela Cinelândia, sentava no Amarelinho e pedia, invariavelmente, um cappucino e uma água.

Voltava para casa no início da noite, quando a luz ainda só acinzentava. Gostava de contar para as vizinhas as novidades das sextas-feiras e dizia, agitando as pequenas mãos ‘Vocês precisavam ver, precisavam, mesmo, ver! O homem sentou a meu lado no Amarelinho e não mais tirou os olhos de mim. Fingi que não percebi, e até que era um bonitão de não se jogar fora, mas imagina se trairia meu Diguinho! Eu não!’, as vizinhas se entreolhavam e apenas sorriam ouvindo-a falar. Entrava na casa, cobria a gaiola do papagaio, não sem antes desejar-lhe uma boa noite ao que ele correspondia com sua voz de criança.

Preparava-se para a noite tomando um demorado banho na banheira retangular de azulejos azuis e cantava Beatles enquanto mergulhava o corpo naquela água morna, cheirando a sais de banho da Avon. Enrolava-se no roupão atoalhado de fundo rosa claro com estampa de pequenos buquês de violetas, dirigia-se à cozinha para esquentar a água para o chá noturno, de camomila, o mesmo com que enxaguava os cabelos claros uma vez por semana. Ligava a televisão para ouvir o noticiário antes da novela. Com o chá na mão e um prato de bolachas, sentava-se no sofá marrom, de couro sintético, enrolava os pés sobre o corpo, assistia o capítulo em silêncio. Desligava a televisão logo após o final do capitulo, fechava as cortinas e deitava na cama cheirosa (suas roupas de cama eram sempre enxaguadas com essência de alecrim na última aguada).

Era uma moça bonita, delicada, sensível e detalhista. Aparentava uns 30 e poucos anos, mas as vizinhas sabiam que já passara dos 40. Às vezes, enquanto o chá não fazia efeito, abria a gaveta da cômoda, pegava uma das cartas e a lia em voz alta. Eram cartas de amor e saudade, repetitivas. Todas endereçadas a 'Meu amado Diguinho' e terminando com ‘da sempre sua Lucy’.
As vizinhas, no início, até que tentaram entrar em contato com o ex-noivo da moça, mas o único endereço que sabiam era do antigo hospital e lá desconheciam o paradeiro do doutor Rodrigo. Uma chefe de andar lembrava bem do ‘doutor Rodrigo Munhoz’ e sabia do caso da noiva que enlouquecera, mas não tivera mais contato com ele. Parece que ele pedira demissão do hospital para fazer um mestrado fora do país; na França, ouvira falar.

Lucy era filha única de filha única e professora de Artes numa escola municipal. O noivo, obstetra, abandonou-a na véspera do casamento para casar pouco depois com uma das enfermeiras do hospital. Ela sofreu seu primeiro surto, violento, quebrando tudo do quarto aos gritos, que eram ouvidos por toda rua. A partir dai intercalava esses surtos com períodos de total apatia quando não comia nem falava. Foi internada pela mãe numa casa de saúde onde ficou oito meses e, considerada inapta para o serviço público, foi aposentada por insanidade mental aos 28 anos. A mãe, já muito doente, faleceu logo em seguida à alta de Lucy, o que provocou um novo surto, dessa vez totalmente silencioso e que durou duas semanas. As vizinhas cuidaram dela e aos poucos ela voltou a conversar e se alimentar. Notaram que agia como se Diguinho e ela ainda estivessem por se casar e ele estivesse viajando para mais um dos congressos de medicina que costumava ir.

Há quinze anos não surtava, mas se alguma delas tentava lembrar que Diguinho não voltaria, até já se casara com outra!, ela tapava os ouvidos e começava a repetir frases curtas, desconexas. As vizinhas desistiram com o tempo e, alimentando sua mansa loucura, a presenteavam todo mês com uma nova peça para o enxoval guardado num baú laqueado de vermelho. Lucy era a rosa da vizinhança e por isso regavam-na todos os dias com carinho em forma de pratinhos de comida e lanchinhos quentes.

Márcia Leite

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

La cosechadora de palabras


Nadie sabe quien soy más allá de los ojos.

Hay una extraña melancolia detrás de la lucidez

que me escolta en la caberna abarrotada de palabras.

En esos momentos, la soledade que me precede

se agiganta, turbando la visión, dificultando el trabajo.

El útero de piedra donde viven las palabras todavía no recogidas

es tan frío como el musgo por el que camino con los pies descalzos.

Está prohibido el uso de cualquier protección contra las cosechadoras de palabras.

Los pies, las manos, todo el cuerpo deben estar desnudos.

Cualquier otro contato mataría las palabras antes de la cosecha

despertando la ira de las ninfas que las generaran

y la cosechadora de palabra sería castigada al exilio eterno

en la isla de la Duda, donde nada se completa.


Márcia Leite, em Versos Descarados

sábado, 29 de agosto de 2009


Querido, já te falei dos delírios que acompanham o vinho?
Mas será que entenderás?
Duvido. Melhor nem tentar.
O rouge na taça já me basta por hoje.
Guardarei o discurso para outras noites.
Márcia L.
morro igual quem morre
num final de tarde alaranjado
morro e morro
cada vez que ouço teu nome
- e procuro toda gente que me possa falar de ti
vivo para esses morreres trágicos
porque só nas mortes te reencontro.

Márcia L.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Por una cabeza

a Gardel e cia...

se eu soubesse que naquela tarde
- sem expectativa de grandes prazeres
um tango me aguardava
eu teria me preparado melhor
penteado os cabelos com cuidado
pintado a boca de vermelho

se eu soubesse, de verdade
o efeito de um tango
se eu - pelo menos
acreditasse em histórias de tangos
teria ensaiado alguns passos
e vestido um justo com fenda

mas lá estava eu
descompromissada
pensando roques
cara lavada
cerveja
de repente tropecei num tango
desafinei todo o final de tarde
e fiquei assim desse jeito esquisito
só querendo tango na vida.

Márcia Leite, in Aos pés da montanha

sábado, 1 de agosto de 2009

Lágrimas de Afrodita

Apolo vino a visitarme
trayendo noticias de Eros
que anda algo triste
con los comentarios

dicen que perdió la visión
envejece
por eso sus flechas vagan por el espacio
errando blancos

lloré por Eros
en la curva en el pescuezo de mi visitante
y nadamos juntos en el lago que se formó
hasta que la noche descendió sobre la Tierra
cuando Selene
-muerta de celos
lo llamó de vuelta a casa.

Márcia L, Lágrimas de Afrodite, in Versos Descarados

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Eutanásia



Nada é dito no momento da partida
olhos refletem o tamanho do medo
os últimos mudos momentos
sabem à pedra de sal em boca seca
implora-se por um eclipse lunar
- deve ser sempre negra a lua não desejada
o cristalino corrompe o olhar futuro
as cores do céu seguinte já não farão diferença
as mãos se escondem por trás da saia
tateando o último fio de lucidez
que decretará o fim do que morre aos poucos
poemas rastejam no que restou de respiração
gotas d´água queimam as retinas
o peito guarda a palavra oculta
e o corpo oscila como pêndulo em mãos inexperientes
a porta é aberta e pode-se ver
que a vida parte deixando um pedaço
na cara do silencio que ficou para trás.
Márcia L in Versos Descarados

terça-feira, 7 de julho de 2009

Confessionário



te diria tanto (e ainda tão pouco...)
num monólogo
(de remorso e histeria)
versos tensos obscuros
obscenos
pausa em desespero
na tarde de verão
que molha o lençol
como palavras abortadas
antes de chegar às mãos
te diria vidas (faladas, escritas, lidas)
segredos de agora
pecados antigos
fantasmas dos dias (que não clareiam)
ousadas longas confissões
ungidas no suor e medo
- gotas rubras do terço da minha covardia
frente ao teu amor
(puro como hóstia de domingo)
te diria tanto (e ainda tão pouco...)
se a poeta fosse outra
se o vinho fosse seco
se a lua fosse cheia
se gostasses de livros
se a foda fosse inteira
se a rima fosse simples
se plural não existisse
se eu rezasse só Maria
sem Clarice.


Márcia Leite, Versos Descarados

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O pintor


pinta dores livres de sombras

(o mar por trás da sombra, a luz por trás do mar)

desfechos e começos (a cor, o ar )

- e a lua ilumina seus dedos

cinzela seu nome nos meus cantos

descansa seus passos nos meus vãos

desenha meu nome no seu beijo

(pedras veias véus ponteiros camelos sonetos )

mostra Frida e seu homem na testa

(eu olho e penso: é o que me resta)

outras Fridas (muitas mais)

um menino (Curupira, que engana quando anda)

e parte

- caminhando nossas outras vidas

(o trânsito para e a rosa foge)

chego

- pontes túneis sol água desapego

deito

abro o livro

me encanto

(aceito o feitiço:tatuar suas mãos

- sem traços -no meu corpo)

sorrio (colho um hibisco)

coloco uma nova rosa no jarro

e durmo.


Márcia Leite, Versos Descarados

domingo, 7 de junho de 2009



Antes de mim era névoa, o incompleto estar, apenas memória (pouca).
Antes de mim era rio (dócil) seguindo um curso não escolhido, apenas
um rio que seguia (e sequer sabia do mar).
Antes de mim era brisa, sopro quente frio morno, brisa jovem, filha bastarda de Vayu.
Bem antes de mim era estrela, brilho tardio no céu iluminando o momento (sem perceber que não existia), meia palavra, lenta trôpega ingênua, letras afoitas agrupadas.
Antes de mim era também universo (só até onde a vista podia alcançar), verso pobre sem música, nota monótona, monocromática.
Antes de mim era sorte, horóscopos quiromantes cartomantes.
Antes de mim era livre barulhenta crédula gargalhadas.
Hoje sou silêncio, tarot i ching runas, insônia estudos solidão.
A única conquista é um abridor de auroras, que só funciona quando a noite é cúmplice
(o que raramente acontece).
Hoje sou refém das noites de sudoeste, das palavras já experimentadas e da estrada que escolho (a cada nova madrugada).


Márcia Leite

in Versos Descarados

ardo-me



ardo-me por um tango de Piazolla
um soneto de Neruda
um poema de Lorca
encolho-me sob os personagens
de Guimarães
exibo-me às palavras de Luiz
ser não é viver o desejo
é ser o próprio desejo
respirá-lo
expirá-lo
senti-lo no baixo ventre
destilando nas veias
para bebê-lo ardente
direto da boca da alma.


Márcia Leite

quinta-feira, 28 de maio de 2009




nível intermediário

Adélia quer um amor feiinho...
ela, que trilhou o caminho do céu com Jonathan
e me desfez em pedacinhos
quando falou do seu homem limpando peixe na cozinha
eu aspiro Adélia
mas quero um amor bacana pra brincar junto
altinhos, no Carmelitas
dançar sacana e molhado no Carioca da Gema
me emputecer percebendo seus olhares de esguelha
(esquecer tudo depois)
ir no final de semana pro Capitão na Areia

ombro roçando ombro na Praia do Forno
só o pensamento acelerando a respiração
depois da fase ‘Amor? De qualquer jeito, qualquer um’
hoje eu quero é um amor bacana
pra que eu não precise explicar o que escrevi
que me corrija as crases, os hífens, os parênteses
que converse comigo sobre a criação do mundo
se emocione olhando o Universo do Hubble
e seja paciente com minha mania de PS

um amor feiinho, do jeito que também sinto o desejo
tem mesmo seus dulcíssimos pacíficos encantos
adora feijão preto com alho, café forte na caneca
é cazuzianamente exagerado, te acha sempre linda (e diz!)
nada exige, não queima teus neurônios
te dedica todas as músicas de amor do Roberto
ri, deliciado, das tuas manias
faz xixi de madrugada sem te acordar
te deixa enfeitar a casa inteirinha de chita
é todo fidelidade, carinho, consideração

é...Adélia sabe tudo...
uma pena eu ainda estar na fase do amor bacana.
Márcia Leite

aqui jaz Márcia Leite
a que viveu inutilidades
conversava com abelhas
e conhecia (pelo nome!)
todas as andorinhas
de final de tarde.



Márcia Leite

Tarot

A busca da poesia me desfaz
em múltiplas facetas sobre a mesa
nada me compõe quando persigo
a palavra que dirá o pensamento
me desfaço em lâminas
minuciosamente observadas
através de microscópio cósmico
o único permanente em mim
é o místico.


Márcia Leite



deixai-me lacunas para preencher
quando esses dias se forem
deitando na noite o que não vivi
criando finais ao meu jeito



deixai-me lacunas para preencher
(e o sorriso da Mona Lisa no rosto
desdenhando o que não consegui).



Márcia Leite


Percebe-se uma ironia no sorriso.
Pode ser que sim, pode ser que não.
Ironia tem dessas coisas...
O seu olhar pode estar irônico; o sorriso do outro, não.
Portanto, percepção é vaguíssimo abstratíssimo saber.
Márcia Leite

terça-feira, 12 de maio de 2009






O Viajante Eleito


“Há uma imensa melancolia na lucidez que me acompanha”
A Colhedora de Palavras, in Versos Descarados.



Retirou a alma do Viajante Eleito, onde (ela sabia) não encontraria o brilho da intelectualidade. Guardou-a entre seus tesouros: cartas de amor, fotos dos tempos de inocência, pétalas de rosas secas pelo tempo (inclusive das ofertadas pelo Viajante Eleito), postais da amiga distante, mechas de cabelo dos filhos quando bebês, mantras para momentos de desespero, autos litigiosos para nunca esquecer.

A alma do Viajante Eleito aconchegou-se entre os perfumes das suas preciosidades. Recendia à tristeza e sândalo. Mas, sendo guardado novo, seu cheiro se destacava sobre os demais como saudade viva que dói aguda.

O Viajante Eleito continuou sua caminhada, dizendo-se sem sol, sem vontade de vida. Lágrimas e o deus dos que amam preencherão o vazio do corpo. Ela, a guardiã de sua alma, era a mais solitária vendo-o ir. As mãos endureceram, retendo o gesto de arrependimento, no mesmo momento em que o coração partiu-se. Cheirou a alma recém-guardada e resistiu. Entendeu que a tomara por egoísmo. Ela será o conforto quando ressentir-se da solidão que acompanha a lucidez e precisar do delírio amoroso que habita os emaranhados de loucura que só uma alma apaixonada guarda.

Márcia Leite

segunda-feira, 9 de março de 2009

Possibilidades amorosas


Sim, a voz dele era bonita, parecia familiar e soava como vento manso. A voz ecoava dentro dela igual saudade de um lugar que não se sabe bem onde é. Meu Deus, quem era aquele homem? O que ele queria? E o mais importante: o que ela queria?
Definidas as prioridades, ela decidiu que não queria se apaixonar, mas queria conhecê-lo. A sedução fazia parte da sua personalidade e do seu corpo. Ela não podia evitar. Tinha um corpo doce, com um mover sinuoso, suave, milenar, feminino. Os olhos eram dourados de tantos sonhos em palavras que brotavam direto do coração para os dedos. Escrevia compulsivamente. O tic-tic do teclado confundia-se com o tic-tac do seu coração. Coração, coração, coração...Era a senha para cada novo dia, cada amanhecer de cara para o sol nas montanhas, que vinha da janela escancarada do quarto azul preguiçoso, cheiroso e desarrumado. Roupas jogadas na poltrona, livros no chão, imagens de santos e anjos, quadros e fotos nas paredes, espelhos estrategicamente colocados de acordo com as regras do Feng Shui, bichinhos de cerâmica na jardineira da janela entre Marias-sem-vergonha brancas e vermelhas, poemas inacabados em papéis espalhados sobre a mesa amarela, que ela mesma pintara. Sua cama era dividida ao meio, numa metade o seu corpo, na outra, palavras, suas e de outros, em livros e papéis, e um telefone verde que tocava quando não devia e silenciava quando deveria falar. Palavras, coração, sonhos, disponibilidade, insatisfação, palavras, coração...E o homem não saia de sua cabeça, o que fazer com ele? Primeiro era preciso que se vissem, e isso deveria acontecer em um lugar público, durante o dia, de preferência. Que roupa ela deveria usar? Abriu a porta do armário e deu uma olhada rápida nas roupas penduradas, e pensou que já não usava a maioria delas e decidiu que era hora do ritual de trocas, que consistia em ligar para as amigas e reuni-las no quarto, com todas as peças que ela não queria jogadas na cama, enquanto as outras espalhavam as delas, para a troca, pelo quarto. Elas faziam esse ritual há muitos anos, e sempre se divertiam muito com aquilo. Os rituais eram sempre precedidos de comidinhas e vinho, todas em volta da mesa da sala, rindo e contando as últimas novidades. Eram 3 mulheres que se conheciam há muitos anos, desde quando os filhos ainda eram pequenos e estudavam na mesma escola.
Por coincidência, hoje estavam, as três, separadas dos maridos e seus filhos já na universidade.
Elas eram muito parecidas fisicamente, e inúmeras vezes já tinham lhes perguntado se eram irmãs.

Íris, a mais ‘ saidinha’ de todas, sempre respondia que sim, ao quê Luísa, tímida, mas muito espirituosa, concordava com a cabeça e um sorriso divertido. Cléa, a mais séria delas, olhava para a pessoa como que pedindo desculpas, fulminava Íris com olhar de reprimenda, mas nunca desmentia. Quando o assunto começava a se estender muito, Íris sempre dava um jeito de dizer: - Somos irmãs no astral!
E sorria de um jeito cativante, meio infantil, meio irônico, que as outras conheciam muito bem.
Íris ligou imediatamente para Cléa, antes que esquecesse, pois vivia ‘esquecendo tudo’, o que era motivo de risos e piadinhas das outras sobre ‘a necessidade’ de tomar vitamina E com mais freqüência, ‘afinal você já está na menopausa, não está não?’, marcando o ritual para dois dias depois, e pediu que esta avisasse Luísa. Isto feito, voltou seus pensamentos para o homem. Ai, aquele homem!!

Os dias passaram voando, como todos nos últimos anos ( parece que a ansiedade hoje não é a mesma de antigamente, você nem tem tempo suficiente para ficar com cara de ansiosa: aquele olhar meio parado, psicótico, se descabelando e comendo todas as unhas). Na tarde combinada, a primeira a chegar foi Cléa, arrastando duas enormes sacolas pretas cheias de ‘material de ritual’ e uma pequena bandeja plástica com biscoitinhos de gergelim. Íris percebeu, assim que abriu a porta, que Cléa usava uma blusa que tinha sido de Luísa e, honra seja feita, ficava muito melhor nela. Aquela cor realçava seu tipo germânico: alta, corpo volumoso, pele rosada, busto farto e olhos azuis. A blusa era violeta (ou lavanda?). Íris sempre associava lavanda (até o cheiro) à cor violeta. Tudo a ver com Cléa, até no que se referia ao Raio Cósmico preferido da amiga, o da transmutação.
Íris comentou: - Essa blusa fica mesmo linda em você. É a sua cara! A cor deixa seus peitos róseos, ‘ruborizados’, rodriguianos.
Cléa riu enquanto a beijava e comentou, com sua fala pausada: - Ah, então é isso! Todos os homens que passavam, me olhavam de um jeito meio acanhado, como se pegos em flagrante delito!
Íris pensou se deveria pedir a blusa emprestada à Cléa para seu encontro (ai, aquele homem!), mas aí lembrou que ficaria meio larga no decote, e suspirou resignada por seus peitos não tão fartos quanto os da amiga. Olhou para baixo instintivamente e considerou, pela primeira vez, a possibilidade de um implante de silicone. Será que se ela engordasse um pouco eles não ficariam mais cheios? Não, engordar era impensável! Deus me livre! O melhor mesmo era juntar uma grana e fazer a cirurgia, ou então continuar para sempre com os peitos assim ( e caminhando para pior...), nem grandes nem pequenos, meio flácidos, apesar de branquinhos com delicados bicos cor de rosa (pelo menos isso, pensou já mais aliviada!). Tudo isso passou por sua cabeça em menos de 10 segundos, enquanto Cléa ia colocando as sacolas e a bandeja em cima da mesa da sala.

- E Lu, não chegou ainda?
Íris ouviu Cléa perguntar, o que a tirou do conflito engordar/silicone/deixar como está, e respondeu:
- Não. Acho que vai demorar, ela foi primeiro ao dentista.
- Então vai mesmo. E aí, novidades do cara da internet?
- Ah, minha filha! Agora quer que a gente se encontre logo. Me ligou ontem à noite e resolveu que já é tempo, estamos nesse papo virtual há mais de dois meses, está me pressionando direto. Disse que virá no final do mês passar uns dias aqui no Rio, visitar uns amigos. E se ele não gostar da minha cara quando me ver frente à frente? A foto que mandei pra ele foi aquela que tirei quando passamos o Carnaval em Búzios na casa da irmã da Lu, lembra? Tem quase 2 anos! Ah, mas não estou tão diferente assim, estou?
- Não, Íris. Só algumas rugas a mais em volta da boca e dos olhos, quando você ri. Naquela época você ainda não estava com essa cara de menopausa!
- E não estou ainda, pra seu governo, tá! Que cara que eu estou, hein? Que coisa!
- Estou brincando! disse Cléa, rindo.
- Isso não é assunto prá brincar ! Não está vendo como estou ansiosa? Ah, tá certo, não dá pra ver, mas você sabe muito bem como estou morrendo de medo. E se ele não gostar de mim? Eu estou feliz, está tudo tão legal do jeito que está. Ele precisa me conhecer melhor por dentro, ele sempre disse que isso era o mais importante para ele.
- E você acha que homem algum nesse mundo quer conhecer a mulher só por dentro? Bem, isso também, com certeza! Aliás, você até que tem razão, é o que eles mais querem, riu Cléa, mas primeiro eles precisam ver como é por fora pra ver se vai valer a pena conhecer o ‘por dentro’!
- Hoje você tá que tá, hein? Devem ser esses peitos lavanda nessa blusa violeta! Não é esse por dentro, sua cínica!
- Ah, querida, conforme-se, é sempre esse ‘por dentro’ sim!

Entre os comentários e os risinhos, Íris foi ajeitando a mesa e os copos de vinho. Como Cléa folheava uma revista, aproveitou para ligar o computador e verificar as presenças no msn. Lá estava ele, no meio da tarde, coisa atípica. Nunca se falavam à tarde, era a pior hora do dia no escritório, dizia ele. Ela, offline, mas atenta, foi ajeitando as coisas para a reunião, muda, já que Cléa continuava lendo a revista. A campainha toca e a porta é aberta para a entrada triunfal de uma Luísa de rosto vermelho, algum brilho de suor na testa e uma enorme caixa de torta equilibrada no braço direito. – Meninas, vocês nem imaginam o que me aconteceu! Ah, trouxe uma torta de chocolate com morango...Não resisti! Mas olha, fiquei pasma hoje no consultório do Horácio! Adivinhem quem estava na sala de espera com uma cara sofrida?
As duas amigas se entreolharam sem tentativa de adivinhação e Luisa foi logo contando: - A vagabunda da Tânia! A cara ridícula de sempre, um vestido horroroso estampado preto, azul, vermelho e com uns negócios verdes por cima de tudo; precisavam ver a figura!
Ao que Íris respondeu:
- Gente, ainda não consigo olhar para a cara dela sem vontade de dar um tapa! E pensar que durante anos eu ajudei a cretina a garantir seu lugar na escola. Insegura do jeito que ela era, muda durante as reuniões na sala dos professores. Ninguém ia muito com a cara dela, até me avisaram que não confiavam muito naquele jeito dela. Mas eu, idiota, fiquei com pena e deu no que deu. Outro dia o Flavinho me contou que ela e o Maurício estão numa merda daquelas! Quero nem saber. Também não vou desejar o mal, né Cléa? Fazer karma, Deus me livre! Mas confesso que não estou nem aí para a situação dos dois. A cretina com aquela cara de coitada, aproveitou da minha inocência e roubou meu marido. Hoje em dia, até acho que deveria agradecer, mas...
- Querida, ela se aproveitou da sua ‘inocência’ e da safadeza do Maurício, né? Só você é que não via que ele sempre foi um galinha. Não queria era ver. Foi a melhor coisa que aconteceu, você se livrar daquele estorvo.
- Também não exagera... Ele tinha coisas boas, também.
- Vamos deixar esse fantasma no limbo e falemos do moço da internet.
- Pois é...Ele é muito articulado, já passou por dois casamentos, dois filhos crescidos e casados. Não se utiliza de vulgaridades, como alguns desses caras de bate-papo. É psiquiatra, tem um consultório em Vila Madalena e trabalha no Hospital das Clínicas também. E tem uma casa em Campos de Jordão...
Cléa parou de beliscar o bolo, arregalou os olhos e perguntou:
- Como é o nome dele?
- Paulo Pedrosa de Moraes, respondeu Íris.
Cléa pousou o pratinho na mesa, arregalou ainda mais os olhos e falou, quase gritando:
- Pelo amor de Deus, é o ex-marido da Solange!
E riu, um riso meio histérico, segurando os peitos no decote, até ficar vermelha como um camarão cozido.
- Que Solange? Aquela que estudou com você na pós em São Paulo e tentou o suicídio depois que o marido foi embora? Meu Deus, não é possível...
- Ela mesma! Não dá pra acreditar. Com tantos milhares de homens na internet você foi logo conhecer o Paulo da Solange...Meu Deus...
- Nem eu estou acreditando. O que será isso? Agora estou muito preocupada.
- Olha, o que posso dizer, é que tome cuidado. O que ele fez com a Solange foi praticamente igual ao que o Woody fez com a Mia Farrow, lembra? O cara é um canalha!! Muito bonito, realmente, inteligente e bem sucedido, mas um canalha. Ele e Solange se conheceram justamente nessa época que a conheci também. O namoro foi rápido, coisa de meses, se casaram, tiveram os dois filhos e tudo parecia muito bem. Solange era apaixonadíssima por ele, a vida sexual dos dois era perfeita, mesmo após vinte anos de casados (é o que ela dizia, sempre). Só que de repente ela descobriu que ele dava carona para a sobrinha dela quase todos os dias. Não achou nada demais, uando soube pela irmã. Até que um dia, passeando pela Paulista viu a sobrinha entrar no consultório dele. Já era final de tarde, horário em que ele, normalmente, encerrava as consultas. Alguma coisa fez com que ela se escondesse por trás das pilastras da garagem e ficar aguardando que ele saísse. Esperou quase uma hora inteira e quando, finalmente, viu o carro subindo a ladeira de saída viu a sobrinha pendurada no pescoço do seu marido, beijando o rosto dele enquanto ele ria. Antes de chegar à rua viu o marido virar-se para a moça e beijá-la na boca. Ela quase morreu ali mesmo. Disse que não sabe como conseguiu pegar seu carro e dirigir até a casa. Quando ele chegou ela o confrontou com o que tinha visto. Não adiantava mentir, disse ela. Ele simplesmente confirmou tudo, disse que queria se separar, mas que ela não temesse problemas financeiros, pois ficaria muito bem com a casa nos Jardins e que nada faltaria aos meninos. Mas que realmente, não sentia mais nada por ela, há muito tempo. Ela ainda tentou falar que aquilo era como um incesto, sua sobrinha tinha dezenove anos apenas. Crescera com os filhos deles, como se fosse uma outra filha. Ao que ele respondeu: - Mas não é!
O resto você sabe, que contei à época. A irmã expulsou a filha de casa, Solange tentou o suicídio e só se salvou porque um dos filhos chegou mais cedo da faculdade. Hoje em dia ela, graças a Deus, está muito bem casada novamente com um professor de um dos meninos que conheceu no baile de formatura do rapaz.
Lu, que ficara calada o tempo todo com os olhos correndo de uma amiga para outra como numa partida de tênis, abriu a boca pela primeira vez e disse bem alto: - Puta que pariu!!!
Cléa deu uma gargalhada e Íris,quase rindo, também falou:
- Não é pra rir, não, gente! Estou quase morrendo aqui. Que merda! Eu já estava me imaginando
casada com esse homem. Meu Deus...Essa sobrinha então deve ser o segundo casamento que ele
contou que durou só três anos e acabou quando ele descobriu que ela o traia com um estudante de direito que morava no mesmo prédio que eles. Ele fala muito mal dessa mulher, mas nunca falou da primeira...Não quero saber desse cara mais, não! De canalha já basta o Maurício na minha vida, eu hein! A sobrinha da mulher, criada com os filhos dele, uma menina de dezenove anos. Ele me disse que tem 59 anos! Loucura isso! Deus me livre!
Cléa olhou para a amiga e se perguntou se tinha feito bem em contar essa história toda. Íris estava tão empolgada com esse romance virtual... Íris parecendo adivinhar os pensamento da amiga, falou:
- Não se preocupe, Cléa. Eu acredito que nada é por acaso mesmo. Imagina se eu me engato toda com esse homem e daqui a algum tempo descubro que ele é um papa-anjo incestuoso. Eu também tenho sobrinhas, né? A tal sobrinha de santa não tem nada, mas eu não sei das carências paternas dela... Mas o cara, a sobrinha da mulher, que ele viu nascer? Pelo amor de Deus, pelo amor de Deus!

Íris estava convicta que a providência divina tinha agido para livrá-la de outra grande desilusão. Meio atordoada abriu a porta da sala para levar a caixa da torta para a lixeira e deu de cara com o vizinho recém mudado abrindo a porta de casa; ele olhou para Íris, ela olhou para ele e naqueles três segundos percebeu que ele tinha quase 1,90m de altura, pele claríssima, cabelos castanhos bem curtos, olhos sorridentes, uns vincos acentuados ao redor da boca,que em vez de envelhecê-lo dava-lhe um ar de seriedade, masculinidade, e – que delícia! - um pescoço lindo (Íris adorava pescoços masculinos!). Já soubera, pelo porteiro, que ele era jornalista, divorciado e sem filhos. Ela sorriu de volta para o vizinho e, antes de fechar a porta, seu olhar respondeu à sedução daqueles olhos sorridentes com uma aquiescência discreta. Só depois disso é que fechou a porta, com cuidado e, voltando-se para as amigas, quase gritou, eufórica: - Ai, meninas, Deus é mesmo muito bom!
As outras duas se entreolharam por sobre as taças de vinho, intrigadas, sem entender nada.

Márcia Leite

quinta-feira, 5 de março de 2009


O Menino
(para Maiam)

O menino do coração de ouro apareceu. Emudeci, com o dedo em riste, e perdi a contagem de estrelas, exatamente na terceira constelação. O vento veio junto, soprando música nas varetas de bambu. A roseira estremeceu e o limoeiro do meu pai deixou cair duas folhas, ainda verdes. Meu coração deu voltas no estômago e a boca prendeu a surpresa com gosto de hóstia mordida.

Era a vontade e a impossibilidade. O pecado e o susto. As visíveis diferenças e as semelhanças gritantes. Conflito e paz. Luz e sombra, sombra e luz. Sim e não. Não. Sim.

O novo mantra, que intuí no século passado, invadiu meus sentidos como um hino, um balançar de folhas de tamareiras bíblicas, lamentos de Muro, sumo dos figos de Jerusalém escorrendo pelos cantos da alma. Não entendi um som. Não quis entender (preferi sentir).

Desci correndo as escadas até meu quarto, baixando os olhos na tentativa de passar despercebida pela página amarelada do Alcorão entre os verdes, vermelhos, marrons, maçãs, pêras e papel rendado na colagem em acrílico da tela na parede da sala. Tranquei a porta com duas voltas da chave, acendi a luz do abajur que ilumina minhas noites e a imagem de Miguel Arcanjo que as protege. Descalcei as sandálias e me joguei na cama, escondendo os olhos com as mãos para não ouvir mais nada.
Márcia Leite

sábado, 14 de fevereiro de 2009


Ele saiu da minha vida numa noite de chuva
dormi a madrugada química sem sonhos
na manhã seguinte chovi com a natureza
chovo ainda na tarde
choverei quanto ainda?
choverá ele?
Márcia Leite

há um funeral dentro de mim
e um eco de surdo que anuncia enterro
minhas mãos flutuam sem gravidade
o dia é uma nuvem pesada
o futuro morreu hoje
nada existe além.


Márcia Leite

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Lilith

sou aquela que carrega a chama
que controla o fogo que recende à mirra
sendo a outra que nega a água que refresca a alma

sou a que vem por minutos
talvez segundos (dependendo da meta)
e parte (sem remorsos)

sou o mental alerta que conduz o corpo
por curvas e retas alimento os fracos
que (como eu) não têm destino
se arriscam às bordas da vida
malabaristas da morte - fios lâminas subterrâneos
verto lágrimas das palavras
finjo a dor mordo as mágoas
e sigo [só].

Márcia Leite

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009


Feminino
(ato I)


A moça canta Garganta. O papagaio, grita “tudo bem?”.
Ela, sentada no terraço, cara lavada de sábado à tarde, pernas apoiadas no vaso do manacá,
se espreguiça, enquanto a tartaruga a observa com seu olhar réptil-de-paraíso-perdido.
Vasculha na memória as disponibilidades que sempre lá estiveram, fiéis, de quatro.
Argui o passado para lembrar da maior paixão.
“Vingança pouca é bobagem”, bem disse alguém que conhece mulher...
O céu está tão azul, o entardecer tão grandioso (sussurra o diabinho liberado).
A brisa esquenta as pernas que sorriem aprovadoras e femininas.
O telefone ali, como quem não quer nada, se exibe, sonso, incentivando o gesto.
Ela levanta, caminha (sem dó nem remorso) e a mão, lânguida, insinuante, disca, lentamente, dois dois sete e mais alguns.
A voz do outro lado nem parece surpresa.
Ela também não...

Márcia Leite

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


estou de luto por mim
morri - de novo
com a mesma cara de espanto
da morte anterior
mas ainda pior
dessa vez o horror arregalou os olhos
a feiúra rasgou o peito
morri [de novo]
igual passarinho morre de atiradeira
Márcia Leite
Imagem: foto de Márcia Leite (por Simone Nascimento)