quarta-feira, 28 de janeiro de 2009


Feminino
(ato I)


A moça canta Garganta. O papagaio, grita “tudo bem?”.
Ela, sentada no terraço, cara lavada de sábado à tarde, pernas apoiadas no vaso do manacá,
se espreguiça, enquanto a tartaruga a observa com seu olhar réptil-de-paraíso-perdido.
Vasculha na memória as disponibilidades que sempre lá estiveram, fiéis, de quatro.
Argui o passado para lembrar da maior paixão.
“Vingança pouca é bobagem”, bem disse alguém que conhece mulher...
O céu está tão azul, o entardecer tão grandioso (sussurra o diabinho liberado).
A brisa esquenta as pernas que sorriem aprovadoras e femininas.
O telefone ali, como quem não quer nada, se exibe, sonso, incentivando o gesto.
Ela levanta, caminha (sem dó nem remorso) e a mão, lânguida, insinuante, disca, lentamente, dois dois sete e mais alguns.
A voz do outro lado nem parece surpresa.
Ela também não...

Márcia Leite

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


estou de luto por mim
morri - de novo
com a mesma cara de espanto
da morte anterior
mas ainda pior
dessa vez o horror arregalou os olhos
a feiúra rasgou o peito
morri [de novo]
igual passarinho morre de atiradeira
Márcia Leite
Imagem: foto de Márcia Leite (por Simone Nascimento)