terça-feira, 12 de janeiro de 2010




Feminino IV
(carta resposta à uma amiga)

Rio de Janeiro, maio de 2005

Fiquei já ansiosa por sua chegada próxima, Cilha. Vamos programar nossas conversas. Temos que nos reabastecer.
Achei bacana essa 'fazedura' de lista de prioridades, e nem é virada de ano! Mas como Marte está em seu momento mais próximo da Terra desde os primórdios do registro da vida conhecida do planeta, deve ser por isso. Espera-se grandes mudanças climáticas, e como nós, mulheres maduras, adoramos essas destemperanças ocasionais em nosso climatério, fica tudo meio 'é agora'. As suas amiguitas aí são mesmo uma decepção. Uma querendo fotografar os bichinhos, filhos das outras, e não importando quais; provavelmente por carência afetiva de gente, derrete-se toda por uns bichanos que não raciocinam, puro instinto, e como ela é simpática, suas donas irão adorá-la e, com certeza, posar junto aos bichinhos para sua lente gentil e deleitá-la pelos próximos anos com sorvetes, hamburgers e o que quer que seja que a tenha feito engordar assim, além da solidão. Mas essa ainda deve ter alguma coisa pra trocar. A outra, a das críticas, coitada, é típica. Sem comentários.
Sua lista de prioridades está transbordando auto estima, Cilha. Adorei a valorização do prazer pessoal e da qualidade. Muito bom.
A minha anda muito simplória, prosaica e poética ao mesmo tempo. Quero ver Marte ao lado da Lua e sentir a sensação de todo o mistério de beleza do Universo e da Criação me envolver em espanto deliciado. Guardar essa imagem nos olhos e na mente até o fim dos meus dias. Quero gravar a sensação de que a minha importância e conhecimento é um grão de areia perto da infinitude de Deus. Quero cultivar a humildade frente a mais um espetáculo que vem do conhecimento gerador de vida, e permanecer assim. Quero que o fim dos meus dias seja leve e gracioso na certeza da existência de maravilhas a descobrir depois. Quero que este fim esteja em um futuro ainda muito distante, porque preciso ficar velhinha e assanhada, pra cumprir as promessas todas.
Quero perder o medo das abstrações e até das simples menções, viver a vida e não 'ouvir falar'. Quero deitar por terra definitivamente todos e quaisquer preconceitos que eu ainda sinta para viver os momentos em toda sua plenitude, valorizar ainda e cada vez mais o sentimento amoroso que me é oferecido, perder a mania de não querer perder o controle das situações que não se pode mesmo controlar e entregar a Deus toda a minha confiança no caminho da felicidade que me é destinada. Quero amar um homem que me ame do mesmo jeito que eu entendo o amor: intensamente, honestamente, com muito romance, e, confesso sem hipocrisia, confortável financeiramente (sem grandes preocupações com o pão nosso de cada dia, e a conta de luz, do telefone, a banda larga do computador), com mimos e livros, com presentinhos inesperados, com juras de amor eterno, entremeado de alguns poemas ou prosa (próprios ou não), com música de fundo, vinho tinto ou cerveja gelada e muitas comidinhas à la Vinicius. Quero continuar meu caminho zen, conservar a paciência que aprendi à duras penas, a leveza do entendimento que tudo tem seu tempo. Quero sorvete de chocolate com morangos e champagne no verão, uma cama bem grande, forrada de algodão puro, pra viver o sonho e a paixão. É vital que eu faça um curso de bordado para criar flores em batas e bolsas ciganas que me remetam à vidas passadas nas estepes russas. E acabo de pensar que é também questão de vida ou morte o som de balalaikas no meu próximo encontro amoroso!
Estou certa que o céu de agora está atento à nossa listinha e pronto para conspirar a favor!
Beijos e até!
Mar


Márcia Leite, em Feminino (Mudanças Clináticas)