quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Os homens floridos


Nada impede alguns homens de florescer por dentro. Se tempos de dores, os brotos apenas se recolhem até a próxima e inevitável floração. Mesmo que estas flores não sejam visíveis a olhos apressados ou descrentes, o importante é que o aroma das almas floridas espalhe seus óleos pela vizinhança.

Márcia Leite
Imagem: Estadão.com.br, "Meninos caminhando em campo de flores
de mostarda", em Shingair, Bangladesh.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Eterno


Física, para que te quero precisa,
se, aqui dentro, a tua maior conquista é a dispersão
que reativa minha memória cósmica perdida
entre tantas equações?

existe o mar, o sol e  o infinito de estrelas após
um ano, outro e - quem sabe? - muitos mais
existe o aprendizado, o caminho, as carências
os tropeços, os acertos, a partida, a chegada
o sorriso, o riso, a gargalhada
a queda, o erro, a manhã seguinte
a noite, a madrugada
existe a persistência, a inteligência, a burrice
a mágoa, a lágrima, as piadas
o ataque (da escuridão), as mentiras
as verdades relativas, o absoluto inalcançável
as crises de lucidez
a loucura, a paranóia, a depressão
mas (graças a Deus!) existe também
um lugar onde as rosas nunca morrem
e as palavras são sempre ouvidas
este lugar (onde cabe apenas um corpo)
é a memória seletiva
para onde viajo
quando preciso me reabastecer de vida.

Márcia Leite, em Aos Pés da Montanha
Imagem: NASA, Gliese 710


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Palavras

"What's in a name? That which we call a rose

by any other name would smell as sweet" Shakespeare, Romeo and Juliet

Palavras apenas nomeiam a emoção
se penso em Shakespeare ou rosas
números não me seduzem, nada, mesmo
a elegância firme no homem é o que me toma
como deitar em campo bíblico, onde o pasto não se polui
a escuridão que temia em criança é o poço da Criação
morada da água que mata a sede do viajante
e da vaidade, cascalho da alma
é preciso ter braços fortes, músculos disciplinados
ouvidos bem treinados na sonoridade dos elementos
para poder separar o sangue da água
o aprendizado é lento e nada original
mas não há caminho de volta para as tranças de Rapunzel
recorro à abóbora de Cinderela, à fada e ao talismã
lanço dados apostando nos raios de sol
abro as gavetas da cômoda
buscando a emoção que guardei entre as blusas de algodão
na intuição que, algum dia
cavalos brancos voltariam a dançar no arco íris do cristal.

Márcia Leite, Curtos e Definitivos, 2000/RJ
Imagem: A Rosa Mística, Dali

Imaginário


Me perguntaram se eram cordas de violino aquele som que gritava acordes dissonantes, em bemóis desafinados, ventando escalas de puro assombro pelo corredor dos ventos. Quando as cortinas voaram desnorteadas pelos cantos da sala, derrubando flores escondidas por trás do muro baixo das tristezas não sentidas - parte desse cenário, imaginário surreal do dia que o sol morreu - me perguntavam ainda se era culpa do velho mendigo da esquina
que blasfemava contra a vida - trinta vezes seguidas - a cada nascer do sol. Visões diurnas de felicidade gemiam aquele réquiem, tremiam solitárias entre os sopros de escuridão. As crianças da casa nada pareciam perceber, rodeadas por anjos imensos, cujas asas douradas alcançavam o céu, sorrindo luz de seus reflexos direto sobre elas. Todos gritaram por Deus, choraram Marias, imploraram Arcanjos, mas só o Nada respondia. Sanhaços tombavam das árvores ressecadas, aos bandos, cachorros uivavam tentando morrer como lobos. O poeta, no quarto, sorria vendo a casa em ruínas. A resposta estava lá, percebi a tempo, tomei-lhe a caneta que delirava serena e risquei o fim do mundo do seu poema.


Márcia Leite, em Curtos e Definitivos

domingo, 15 de janeiro de 2012

Ki





lamentaremos os mortos, como carpideiras bem pagas


repartiremos seus bens, partilharemos seus destroços


mas jamais tomaremos posse de suas almas.


Márcia Leite, em Versos Descarados

domingo, 8 de janeiro de 2012

Procurar a luz





procurar a luz (como se mariposa fosse)
que, através da noite, até mim chegasse

procurar a luz, apagar a dor
dormir sorrindo (de tanto amor)

procurar a luz, retê-la em mim
tornar-me lume, permanecer assim.


Márcia Leite
Imagem: NASA - Nebulosa NGC 6302, constelação de Escorpião






Guardar emoções é ato de egoísmo tão sério, que pode-se até chamar de pecado. É como fazer um doce e esconder das crianças no armário.

Márcia Leite

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012


Órfãos de sonhos são os que mais me comovem.