segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Imaginário


Me perguntaram se eram cordas de violino aquele som que gritava acordes dissonantes, em bemóis desafinados, ventando escalas de puro assombro pelo corredor dos ventos. Quando as cortinas voaram desnorteadas pelos cantos da sala, derrubando flores escondidas por trás do muro baixo das tristezas não sentidas - parte desse cenário, imaginário surreal do dia que o sol morreu - me perguntavam ainda se era culpa do velho mendigo da esquina
que blasfemava contra a vida - trinta vezes seguidas - a cada nascer do sol. Visões diurnas de felicidade gemiam aquele réquiem, tremiam solitárias entre os sopros de escuridão. As crianças da casa nada pareciam perceber, rodeadas por anjos imensos, cujas asas douradas alcançavam o céu, sorrindo luz de seus reflexos direto sobre elas. Todos gritaram por Deus, choraram Marias, imploraram Arcanjos, mas só o Nada respondia. Sanhaços tombavam das árvores ressecadas, aos bandos, cachorros uivavam tentando morrer como lobos. O poeta, no quarto, sorria vendo a casa em ruínas. A resposta estava lá, percebi a tempo, tomei-lhe a caneta que delirava serena e risquei o fim do mundo do seu poema.


Márcia Leite, em Curtos e Definitivos

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