por entre as grades do terraço
vivo o amarelo da lua quase cheiasobre a cidade assustada
que neste meu olhar-de-Vincent
tão pacífica se oferece
queria a água itinerante
os desejos mareantes nas margens de seus dedos
os trigais
a ponta do lápis
o carmim que manchava suas telas de paixão
os linhos onde ele derramou suas fúrias
dores, sombras, segredos
conheço os ventos no seu ouvido dilacerado
as perguntas insistentes ecoando no quarto
a cama sem lugar para o corpo
espremido entre centenas de auroras e ocasos
- girassóis sagrados de um Senhor crucificado
muitas vidas e muitas mortes para um só homem
noites estreladas não confortaram Vincent
jamais foram suas de verdade
por isso a partida
impossível o fardo de tanta luz.
Márcia Leite, em Aos Pés da Montanha, 2009
Imagem: Van Gogh, Corredor no Asilo