sexta-feira, 30 de março de 2012
Lua na cabeça
(aos pintores e às meninas)
a lua observava o homem
que a observava
brincou com o homem
enfeitando-lhe o chapéu
os elementos que os separavam
aderiram à brincadeira
fogo e ar se uniram sobre a terra
criando uma imensa fogueira
uma mulher que vivia
em calma desesperada
- bem longe de onde
o homem e a lua se olhavam -
entrou no jogo, criando águas
para barcos de papel
águas como as do tempo
que acreditava ser (ela)
a dona dos brinquedos.
Márcia Leite
Imagem: René Magritte, Maitre d´ecole
quarta-feira, 28 de março de 2012
Escolha de vida
estar aqui entre tantas
que, sem pausa, me falam
e permanecer até quando Deus quiser
é coisa que não reclamo
é escolha de vida
não de morte
porque morte não se deve escolher
para não correr risco de solidão eterna
solidão já basta a das palavras de viver.
Márcia Leite
Imagem: Matisse, Portrait of woman with hat
Unique Tryptich - Pereira 2012
http://petergpereira.blogspot.com.br/2012/03/portrait-of-artist-as-very-young-man.html
terça-feira, 27 de março de 2012
A poesia desfigurada
E a poesia se desfigura na conjetura
Que arte está descrita em bula de adesão
O poeta é alquimista, não um ilusionista
Um gladiador, nunca um covarde
A Poesia é amorfa e flexível
Só não é maleável no que tange
A alma de seu artista.
Márcia Leite
Que arte está descrita em bula de adesão
O poeta é alquimista, não um ilusionista
Um gladiador, nunca um covarde
A Poesia é amorfa e flexível
Só não é maleável no que tange
A alma de seu artista.
Márcia Leite
sábado, 24 de março de 2012
Depois da chuva
“Quero dar graças ao divino...pelo mistério da rosa
que prodigaliza cor e que não a vê...” Jorge Luiz Borges, Outro poema dos dons.
não venhas hoje nem amanhã
deixe para depois do segundo dia
quando a vontade já quase morre
e os braços pendem exangues
por tanto terem te esperado
depois da ansiedade
quando as palavras
serão mais confiantes
para cruzar a fronteira
do medo à liberdade
depois da chuva
para que eu abra a janela
e te veja subindo a rua
como se fosses um marido
voltando à casa para o jantar
venha e deite comigo
quando o vinho adormecer
o remorso que guardo
desde o curupira assombrado
que temi acolher
e vá sem promessas ou desculpas
quando eu te abrir a estrada
onde vivem os segredos sagrados
de amores que sobrevivem sem corpos
e de rosas que morrem nos quartos.
Márcia Leite
Imagem: Dream, Matisse
quinta-feira, 8 de março de 2012
Walk on the wild side
“Há em tudo um limite que é perigoso transpor, porque, uma vez transposto,
já não há processo de voltar-se atrás.” Dostoiéviski
a chuva fere a pele recém depilada
a luz do poste é bem vinda na escuridão
o rapaz de vestido vermelho e boca coral
enxuga o sorriso que as lágrimas da noite desfez
a moça do interior ajeita o aplique
retoca os lábios rachados pelo sol da lavoura
as mãos percorrem o próprio corpo à visão do passante
e o estômago ruge como rugia o arado nos campos
o mendigo se aquece na loucura
os letreiros não mais iluminam Madame Satã
a morte não vem do fio da navalha
está no abismo dos prazeres imediatos
morta a juventude, os sonhos, a lucidez
sob a maldição de Dostoiéviski
os limites transpostos se fecham à possibilidade de volta
e a tragédia humana afoga as almas na madrugada.
Márcia Leite
Imagem: Madame Satã, http://nandofilosofo.flogbrasil.terra.com.br/foto16674457.html
Walk on the wild side é o título de uma canção de Lou Reed, inspiração para este poema.
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