segunda-feira, 27 de setembro de 2010


Os poemas de Teresa

O poema de Teresa

Walmir Ayala

O poema de Teresa

vai sair canto brejeiro

macio de algodão e espuma

farto de rosa de cheiro...

Ah, o poema de Teresa,

ruidoso poema que vem

duma porta muito azul

com carneirinhos pintados,

sapatos de ouro e cristal

nos pés de fada cravados.

Ah, cinderela sozinha,

veio cantar canção triste

de mar e de pescaria

(bem que eu te achava sereia)

mas se eu dissesse que vives

fundas tristezas na vida

ninguém acreditaria.

O poema de Teresa

vai sair cheirando a fogo

em feno de campo aberto.

Parece sede de alcova,

mas Teresa, eu sei, seria

feliz na beira da praia,

pés descalços, voz rasgada,

borralheira descuidada.

O poema de Teresa

vai na roda da carreta.

Deixai que ela durma um sono,

dai-lhe um sonho, a lua tarda,

mas Teresa tem a lua no decote aprisionada.



Teresinha de Jesus, Tetê Azul, minha tia Tetê, hoje só acorda depois do sol cruzar o meio do céu, e com um sorriso, porque Teresinhas retém a alegria durante a vida terrena.Teresinhas cuidam das mães, das irmãs, dos sobrinhos, da família inteira, porque quando chegam ainda lembram. Esta Teresa foi musa do poeta que, sem blasfêmia, com amor (ela jura platônico, eu apenas sorrio...), rezou - à santa ou à mulher? – talvez uma das mais lindas orações que já foi escrita pelo homem:

Prece

Walmir Ayala

Santa Teresa, de vazio peito

(coração que houvera quem despedaçou?)

Coração agora se desfaz em glória.

Glória pela carne, glória pelo gesto,

glória na aspereza da espontânea voz.

Santa Teresa toda coração.

Roga pelos tristes, dona da tristeza!

Guarda o teu poeta, cálida senhora da canção milagre!

Roga pelos mortos, dínamo da vida!

Roga, roga, roga pelos pescadores,

deixa que te amem as amargas bocas;

deixa que te afaguem dedos suicidas;

para todos abre concessão do mito,

dá teu sol de eco para o frágil grito!

Santa! Santa! Santa!

Soçobrar não deixes barcos sem roteiros.

Sê secreta ilha, cordial palmeira, silencioso porto.

E sem mais motivo, para humanizar-se

guarda-te na torre deste teu mistério.

Por farol te tomem pescadores mortos

e te estendam redes de fosforescências!

Santa dos meus dias, roga pelos homens!

Pelos que, como eu, não irão beber-te

pelos dissipados nas profundas fontes,

pois só tu, sagrada, tens preciosa água.

Roga pelos homens

Dê sol aos exaltados, os de olhos baixos

(ambos não te viram, e é de perder o mundo

não estar contigo).

Dá-me a boa morte

que julgardes digna

deste teu poeta.

Nada mais resta do que dar-te o canto.

Nem do antigo ouro te rebordo a capa

Nem andores levo para tua viagem...

Santa dos meus dias

enche de coragem meus olhos vazios.

Lágrima inaldita

pousa na corola desta impaciência

que por ti clamou...

santa Teresa de vazio peito

(coração que houvera

quem despedaçou?)


Teresinha, moça moderna, era a dona da voz rouca mais sensual e da lambreta mais boêmia do Botafogo de então; a Eduardo Guinle ainda terminava na pedreira, logo depois da pracinha, onde eu, menina no balanço, observava sua conversa com o poeta (que por ela esperara desesperados minutos; Teresinhas permitem-se vaidades e são indecisas na escolha das cores de vestir), num dos bancos da praça. Minha tia Tetê, dona de olhos verdes que confundiam o cair das ondas na areia da praia de Boa Viagem, Niterói (onde toda a família, durante alguns anos seguidos, passava férias), afundava os pés na areia, os cabelos louros, salgados, roçando os cílios de prata e movia o corpo, sob o sol de antigos janeiros, vestido em mínimos shorts brancos, indiferente a olhares que não fossem do inspirado menestrel, quando ele, entre outras marítimas eternas palavras, para ela cantava:

Teresa da Praia

Eu não arrancarei do mar, Teresa, este teu corpo

de compacto vento e areia e movediça alga.

Teu corpo degladia com o sol no extremo impulso

e respiras com a boca seca da areia

a hora do grito.

Sim, teu corpo é um clamor aos meus olhos, uma festa

de tecidos sombrios e luminosos a um tempo, nunca inerte

contra a parede do mar tão loucamente ruída.

E corres, e estas tuas pernas compactas são altares de sangue.

A tua cabeça está coroada de sol, menina, e todos

os teus súditos silenciam ante a tua sucessiva explosão de espuma e riso.

Apertam-se contra os teus seios as mãos do vento, as mãos austeras do teu rei!

Ficarás nesta praia sem penhascos, apenas tu rochosa e livre

dourando a fimbria da noite com teu corpo maduro.

Walmir Ayala

O poeta, na década de 60, escreveu muitos e muitos poemas para a moça Teresinha de Jesus e entregou-os, provavelmente numa manhã dourada como a musa, sob o título “Os poemas de Teresa”. Ela os guarda até hoje como a um tesouro porque a magia da poesia é coisa de zelo infinito, assim como ser Teresa musa de Walmir é coisa de infinito zelo. Por isso Teresinha, hoje sem o poeta, dorme até a tarde chegar; para sonhar as palavras de maresia que o sol lhe segreda nas manhãs cariocas que um dia foram totalmente suas e do poeta.

Márcia Leite