quarta-feira, 27 de junho de 2012


não jogo pedra de rivalidade
nem desperdiço energia com disputas
nos campos da humanidade
- onde não existe obra perfeita
tudo que brota
tem tempo de validade
nenhuma glória é perpétua
toda conquista abstrata.


Márcia Leite

quinta-feira, 21 de junho de 2012

intacta


as tentativas de pedra
protegem a suavidade
são guaritas fortalezas
da delicadeza


nos desafios e testes
me mantenho intacta
temo apenas os momentos
de lucidez dilacerante
que me atropelam
arroxeando os olhos


peregrinações pelas ruas
dos espantos
formaram meus alicerces
baseados nas convicções
de memórias paternas


o reino masculino
sempre me foi generoso
(salvo os enganos cometidos
por excesso de romantismo)


o feminino me mantém
filhos filha pai mãe amigos
todos me inspiram
e me vestem.


Márcia Leite, em Versos Descarados
Imagem: http://fecer.blogspot.com.br/2010/04/as-mulheres-de-pedra.html#axzz1yReWFGfz

quarta-feira, 20 de junho de 2012




pousar as palavras no papel
como se fossem pássaros
moldá-las ao origami

colhê-las no vento
acariciá-las
arranjá-las na ikebana

bebê-las ainda quentes
contemplá-las
reverenciar a harmonia em suas falhas

ouvi-las no vazio dos bambus
e libertá-las
para que sejam em outros.

Márcia L
Imagem: Bosque de bambu Arashiyama Sagano
http://dicionariododanossavida.blogspot.com.br/2012/03/10-lugares-incriveis-2.html

domingo, 17 de junho de 2012

faroleiro



o que quer essa alma
que canta versos lusitanos
com cheiro de mares
campos de trigo e cevada?
de onde ela veio assim reencarnada
em marulho de ondas dos sonhos?
o que quer essa alma num corpo de homem
senhor de incontáveis palavras
que me seduz como um marinheiro
faroleiro das minhas águas?

Márcia Leite
Imagem:http://www.10pt.org/2012/06/mulheres-de-camoes-laura-barbara/

sábado, 16 de junho de 2012

cry me a river



rolam águas de mágoas e abandono 
sobre o planeta
o útero Pacífico de Gaia
expeliu a índica revolta da antiforma

Poseidon agitou o tridente
aumentando seu território
e Atlântida acordou nos subterrâneos dos mares
gritando fantasmas da Indonésia

as geleiras na Antártida 
deslocam-se inexoravelmente
ameaçando os domínios de Ceres
Perito Moreno lacrimeja nos lagos da Patagônia

quebrada a harmonia, o jarro da Temperança
já não verte o líquido da vida
resta-nos ainda o latino choro dos rios
e o canto da Oxum

mas quando
na hora do Imponderável
Lurelei silenciar ao Norte
e Iemanjá recusar as oferendas

o sal que batiza 
será o sal da morte
e o doce que alimenta 
não sobreviverá.

Márcia Leite, em Versos Descarados
Imagem: Google

quinta-feira, 14 de junho de 2012


na escuridão
(quando todos os gatos são pardos)
eu me fecho 
igual flor de cacto.

Márcia Leite, para O voo como saida

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O bom de ser mulher





                                                                                                                                                                          (aos meus amigos)

O bom de ser mulher é conseguir enxergar as possibilidades, não no homem que nos revelam, mas no que poderiam, e rejeitam, pela dor que temem. Se me instigam, no tempo de flecha, os contrários, o meu encanto pertence, e apenas, à similaridade. O bom de ser mulher é  a experiência da intensa comoção no momento das lágrimas que reprimem, dos medos que escondem por baixo da armadura que vestem, forjada às decadentes  e hipócritas  regras do que é masculinidade.  E, quando apaixonados, comovem-nos , completamente, seus muitos cuidados  e a obediência, quase canina, aos nossos caprichos, às nossas vontades. Somos o poço do mistério, eles, nossos adoráveis discípulos desajeitados.

Márcia Leite

quinta-feira, 7 de junho de 2012

além da contemplação




é inútil o esbravejar
contra um todo que há
e que não conseguimos viver
não por falta de desejo
por ausência de consenso

sem aproximação permitida
este todo que blasé se exibe à janela
arredio escapa às mãos sedentas
na incompletude disseca-nos as veias
e a poesia se recolhe
                                     

                                    dorme, exaurida, na palavra que morre

Márcia Leite, para O voo como saída
Imagem: Henri Matisse, The blue window

terça-feira, 5 de junho de 2012

modus perversus





não é sempre que vivo em bondades
ainda não recebi as asas prometidas
nem comecei o caminho das santinhas
até  meu pai, homem digno de doer
teve lá seus pecados de intolerância
às vezes penso maldadezinhas
e não me penitencio por isso


Márcia Leite, para O voo como saída

segunda-feira, 4 de junho de 2012

ingratidão


'Mulheres existem para serem amadas,não para serem entendidas.'
Vinicius de Moraes


há uma dor que me corta ao meio
de que matéria é feita essa vida de cores?
minha rosas cheiram a pêssego
o limoeiro vive cheinho de botões brancos
por que então o vazio entre as costelas?
sinto falta de coisas que não vivi
de pessoas que não conheço
de casas que jamais habitei
não sei quem sou nem o que faço aqui
e não posso sequer confiar em mim
como abrigo seguro para tempestades

Márcia Leite, para  O voo como saída

sábado, 2 de junho de 2012

o guerreiro e eu


  

 
Sou protegida de Jorge, o Guerreiro, uma das zeladoras de suas armas. Obedeço o olhar firme do santo e não ouso contrariar seus desígnios, por mais injustos que me pareçam. Porque, do alto de seu branco cavalo, brandindo a lança brilhante e amor sob a armadura de prata, a cada final de batalha, em suas horas de descanso, é a mim que ele abraça.

Márcia Leite