sábado, 29 de novembro de 2008


Só no meu, sem despedida


Quando a alma se cala e o vento pára nos galhos da palmeira [que ainda assim balança ao tempo] e da auracária que abriga a teia que alimenta a aranha que teceu o sonho, o pé de amor(a) amadurece os frutos que me ofereces à boca (dos beijos onde guardas teus segredos) que já não adoçam as palavras que me pensas.

Tanto desejei noites de inverno no alto de um pequeno monte coberto de verde, sob um teto de vidro por onde estrelas nos enfeitariam de eternidade [numa cama macia de simplicidade (entre algodões rústicos tecidos nos teares dos dias cúmplices)], noites de sonho que hoje silenciam ao abrigo da tempestade escrevendo folhas de desalento.

O sentimento que trava a língua - e mil vezes mata o coração que ama - esconde e aconselha à vida que implora:“Acorda, refaça o sonho que foi embora.”

A fantasia - que também cega e destrói por pura vaidade - me impele à sobrevivência, girando a roda sem pressa, voltando o tempo que diz: “Siga, avance mundo afora.”

Resta-me a estrada desconhecida, os ensinamentos do buda, o Amor do avatar que louvo [e que me guarda sempre que imploro por nova vida e sorrisos livres]. Meus pés acostumados à terra, sem calçados que os limitem, caminham e sangram a canção que não desisto nas letras das músicas que te dedico.

Dentro dos teus olhos sãos (não esses, os de outras vidas), para dentro deles e do teu coração (quando envelheceres), é onde guardarei para sempre o meu amor que sobreviverá, mesmo longe, a ti mesmo.

Por tua alma antiga que conheço (entre as linhas do teu próprio desconhecimento) deixarei gravada no meu peito aquilo que poderia ter sido nossa história. Só no meu, sem despedida.

Márcia Leite

quarta-feira, 26 de novembro de 2008


Vim na nuvem dos saltimbancos
desci na Terra feminina
[pensando ventos e palavras]
numa tarde com cheiro de maresia
nasci enluarada e arredia
perdi-me dos companheiros
ao longo da estrada
às vezes os reconheço à luz da madrugada
alguns deles em delírio nas sarjetas
por eles passo e sorrio
mas sei que já não me vêem
nem lembram do caminho
condenados estão à insanidade
no planeta solidão
sigo os dias registrando passarinhos
besouros rosas borboletas
assombros trovões
lamentando vez ou outra
que nada nos foi avisado antes da descida
me perguntando se o trampolim
não poderia ser dourado
um salto direto à felicidade imaginada no azul
armas de paciência nos foram fornecidas
alguns não as souberam usar
eu me defendo como posso
durante esta impermanência
que deveria ser construção
mas não é
destruição se mostra cotidiana
mesmo entre nós
nômades do espaço
não há memória que sustente
só a consciência do fracasso
e o por quê de tudo nunca se completa
no trapézio solitário
sem os braços dos companheiros
[ perdidos ao longo da estrada]
vagueio o olhar pelo céu estrelado
na saudade do depois das nuvens
- onde eu, privilegiada
lembro existir o Todo
o Inteiro
o Nada.


Márcia Leite, in Versos Descarados, Oficina Editores, 2007

Almas e rosas fiéis



almas não emitem sons
apenas ouvem
os contrastes aparentes
nada mais são que disfarces
de almas que fogem da revelação
almas são eternas como o fogo
e fiéis como o botão da rosa
que se abre ao olhar do outro



uma alma me espera
me desafia me testa
me olha (quando lhe peço)
almas fiéis são como aroma
das rosas que rego
Márcia Leite