quarta-feira, 26 de novembro de 2008


Vim na nuvem dos saltimbancos
desci na Terra feminina
[pensando ventos e palavras]
numa tarde com cheiro de maresia
nasci enluarada e arredia
perdi-me dos companheiros
ao longo da estrada
às vezes os reconheço à luz da madrugada
alguns deles em delírio nas sarjetas
por eles passo e sorrio
mas sei que já não me vêem
nem lembram do caminho
condenados estão à insanidade
no planeta solidão
sigo os dias registrando passarinhos
besouros rosas borboletas
assombros trovões
lamentando vez ou outra
que nada nos foi avisado antes da descida
me perguntando se o trampolim
não poderia ser dourado
um salto direto à felicidade imaginada no azul
armas de paciência nos foram fornecidas
alguns não as souberam usar
eu me defendo como posso
durante esta impermanência
que deveria ser construção
mas não é
destruição se mostra cotidiana
mesmo entre nós
nômades do espaço
não há memória que sustente
só a consciência do fracasso
e o por quê de tudo nunca se completa
no trapézio solitário
sem os braços dos companheiros
[ perdidos ao longo da estrada]
vagueio o olhar pelo céu estrelado
na saudade do depois das nuvens
- onde eu, privilegiada
lembro existir o Todo
o Inteiro
o Nada.


Márcia Leite, in Versos Descarados, Oficina Editores, 2007

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